quinta-feira, 18 de maio de 2017

Rotinas da direita antipopular, antipatriótica e antitradicional - "nova direita" - na abordagem da Doutrina Social da Igreja



1) Quando condena os adversários internos da nova direita no campo progressista, a Doutrina Social da Igreja é sequestrada por essa facção para defenestrar todos os que sejam ou pareçam ser coletivistas, estatistas, esquerdistas ou socialistas. Por outro lado, quando a mesma DSI critica os excessos suicidas da livre-concorrência e a prática da usura, por exemplo, ou quando propõe uma direção geral do mundo econômico a cargo da deliberação racional e moralizada permanente de uma inteligência institucional sistêmica e formalmente organizada composta pelas estruturas jurídicas dos atores intrínsecos da economia e apenas complementada pelo Estado, fingem que está sendo proposto o planejamento universal e meticuloso da economia pelo Estado ou pelos sovietes velados da "sociedade civil" que andam a reboque de partidos políticos: fingem não entender que está sendo proposta a retomada das corporações de ofício medievais e a vertebração delas dentro de uma rede de interlocução formada por suas co-irmãs, proposta essa encampada com realismo e pragmatismo pelo Portugal moderno nos tempos de Salazar - com êxitos notáveis em termos de estabelecimento de uma economia equitativa, produtiva, gratificante, edificante e até mais bem remuneradora do que antes.

2) Dizem que o apreço e o entusiasmo da Igreja pela livre-iniciativa e pela propriedade privada significam necessariamente aprovação pelo capitalismo em si, descontados os vícios individualizáveis do consumismo e do egoísmo - aliás, vícios que são alimentados pela publicidade indissociável da economia atual -, e talvez com alguma exclusão do liberalismo. Tal exclusão, sempre muito marota, salva de modo implícito e sutil a acepção que o termo carrega no contexto do mundo anglo-saxão moderno, sem atenção sequer à exclusão do liberalismo ao capitalismo que tornaria este alegadamente aceitável à Igreja, com total desconsideração àquilo definido de modo histórico e amplamente consensual como liberalismo pela autoridade eclesiástica de várias localidades e épocas. Ainda, fingem desconhecer que o capitalismo não é a economia natural existente desde o início dos tempos, mas sim essa mesma economia após a desfiguração intensa e contínua que ocorre mediante a institucionalização jurídica progressiva da tolerância indevida ou da promoção ativa de negócio atentatórios (pela essência ou pela execução desvirtuada) à ordem social regida pela Santa Religião ou mesmo pelos resquícios sempre mais e mais periclitantes da lei natural ora preservados.

3) Fazem confusão proposital de prosperidade (de fato real, mas inorgânica na medida em que assentada no crédito e em ativos virtuais) com maior possibilidade aquisitiva de bens supérfluos e até inúteis, com isso escamoteando a inacessibilidade prática dos fatores de produção (principalmente bens imóveis) necessários ou muito convenientes à segurança econômica e à perenização da inserção social da pessoa e das sociedades domésticas em realidades comunitárias espontâneas, abrangentes e eficazes no plano jurídico-político (empresarial, reivindicatório-representativo ou assistencial). Com esse procedimento, tentam vender a idéia de que a generalização da vida de sujeito atomizado e subalternizado típica no mundo ocidental moderno é o ápice da civilização, ou na pior das hipóteses, uma generalização que pode ser tolerada indiscriminadamente e por prazo indeterminado porque a outra inexorável perspectiva seria por suposto sempre a brutalidade e a miséria impostas por algum tipo de tirania - fascista ou comunista.

4) Não tendo êxito nos procedimentos anteriormente descritos, ou não podendo vender a idéia de que a DSI é basicamente uma subscrição integral do capitalismo, passam a dizer que podemos ou até devemos ser indiferentes a ela porque não seria parte do Magistério dogmático da Igreja. Assim, bastaria a preferência pessoal arbitrária, o gosto e o achismo para poder ignorá-la.

Ainda que os artigos da DSI não venham acompanhados de anátemas aos seus transgressores, isso não quer dizer que há liberdade ilimitada para discordar e menos ainda para boicotar essa codificação estável empreendida pelos papas a partir de Leão XIII de ensinamentos imemoriais correntes na vida eclesiástica que sempre foram subscritos por sábios, santos e hierarcas - e encontráveis mesmo na ilustração pagã recolhida e aprimorada pela Igreja, como podemos ver de modo particular nas políticas públicas de Sólon.

Além disso, há que se considerar que NUNCA houve na história eclesiástica alguma doutrina perene e amplamente consensual crida e ensinada que alguma vez tenha sido condenada posteriormente pelo Magistério pontifício. Antes pelo contrário, muitas dessas doutrinas depois foram tornadas vinculantes por formulações dogmáticas dos papas. Assim sendo, pode muito bem ser o caso de que a DSI seja uma doutrina que não tardará a fazer parte do dogma católico, o que torna no mínimo temerária a dúvida deliberada acerca de seus artigos - e ainda mais temerário o boicote ou o combate, em especial se ele é feito em nome de alguma doutrina que a Igreja já repudiou sistematicamente (tais são os casos do socialismo e do liberalismo, por exemplo).

5) Ainda no diapasão da contestação da DSI, há alguns que sustentam a estrita suficiência do Decálogo para a boa condução da vida social. Digo apenas: se isso não é pelo menos uma regressão judaizante velada, eu não sei o que poderia ser. Uma regressão judaizante que desrespeita inclusive a supremacia da Igreja sobre os Estados, os quais nessa ótica decerto não seriam supervisionáveis ou aconselháveis pela Igreja - tão somente cada pessoa tomada de forma unitária. Um absurdo tremendo - ainda mais para quem tem teorias tão amplas e ambiciosas acerca da organização da vida econômico-laboral e jurídico-política da sociedade. Vê-se que na verdade não querem a concorrência da Igreja nas suas pretensões de dizer o que é uma ordem social virtuosa ...

6) Não podendo acusar a DSI de ser modernista ou liberal - até pelo fato desta doutrina ser anterior ao modernismo e ter sido abraçada e propagada inclusive pelo insuspeito São Pio X -, criam acusações menos contundentes de heterodoxia da DSI. Não colocarei aqui os rótulos usados nesse sentido para não popularizá-los inadvertidamente. Só digo: tenham atenção com essas manobras de dar o tapa e esconder a mão que a quinta-coluna católica está usando para diminuir o alcance da DSI e torná-la suspeita aos próprios católicos.

Victor Fernandes